sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Nossas D.R.S com Deus. (Parte 5).

 


Em último lugar, penso que nossa D.R. com o Altíssimo É REGIDA PELO ESPIRITUAL SEM SER TRANSCEDENTAL.

O Senhor Jesus declarou à mulher samaritana que Deus é espírito e quer ser adorado em espírito, mas por gente de carne e osso. Aqui, esbarro em uma das minhas maiores dificuldades, a saber, como acessar meu espírito? Como diferenciá-lo da minha mente? Na medida em que não encontro resposta (aceito ajuda), vou caminhando na fé e esperança de que Deus aceite minha adoração misturada com pensamentos, pedidos, reclamações, distrações e tantos outros males de minha mente conturbada. Olho, com “santa” inveja, os irmãos e as irmãs pentecostais que conseguem entrar em um estado alterado de consciência e se deleitam na presença do Pai. Curtem, na acepção da palavra, a santidade do Senhor e se regozijam diante dEle, como se não houvesse nada nem ninguém ao redor deles. Um certo aluno meu, certa vez convidou-me para ir a uma reunião de oração de sua igreja, pois ali havia uma irmã com o dom de ministrar arrebatamento, isto é, a pessoa ministrada ficava inconsciente, ou algo assim, enquanto tinha visões celestiais. Ah, como eu gostaria disso! O difícil seria ter de voltar, né?

Não sei se por causa dessa minha frustração ou por outro motivo, o fato é que penso ser nosso desafio nesse aspecto o cumprimento da exortação: Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua

carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel (HB 10.19-23). Já pensou nisso? Entrar nada mais nada menos do que no Santo dos Santos! E com intrepidez! Uau!! Isso sim é experiência espiritual! Mas o contexto imediato remete diretamente a nossos relacionamentos interpessoais, tanto com o Altíssimo, como com nossos semelhantes! E de modo racional, como diz Paulo no famoso texto de Romanos 12. Assim, o desafio é entrar com ousadia na presença do Todo-Poderoso Criador do Céu e da Terra, pelo caminho aberto no Corpo do Senhor Jesus, mas SEM PERDER a condição humana. Por mais que eu anseie por experiências arrebatadoras com Deus (e eu anseio mesmo), a D.R. cotidiana com Ele tem de ser feita espiritualmente, mas sem ser alienante.

A Bíblia diz que devemos andar no espírito. O que será que isso significa na prática? Não sei, como disse acima. Tenho grandes problemas para definir “espírito”, o meu, ao menos. Mas o texto continua, falando de algo que conheço sobejamente, a concupiscência da carne. Então, seja lá o que for o tal “andar no espírito”, sei que jamais devo satisfazer as vontades carnais. Talvez a relação com Deus seja espiritual sem ser transcendental, justamente para me habilitar a surrar o meu corpo e reduzi-lo à servidão, a fim de não ser desqualificado pelo Senhor (1Co 9.27). Em outras palavras, a relação com o Pai Celeste é a comunhão deliciosa da minha alma com a luz, como diz o antigo hino, mas sem me desconectar do físico ou do mundo. E é nessa relação dual que sou verdadeiramente abençoado no corpo e na alma.

Outro antigo hino fala sobre o desejo de ser anjo. Sempre desconfiei um pouco dele, pois não somos seres celestes. Portanto, em nossas D.R.S com Deus, precisamos lembrar disso. Ele é espírito e Ele criou a matéria. Nós somos a síntese destes dois mundos, destas duas realidades. Em Cristo – e em nós – se dá essa união maravilhosa e perfeita que só o Todo-Poderoso podia realizar.

Que nossas D.R.S com Ele reflitam isso.

 



terça-feira, 29 de setembro de 2020

Nossas D.R.S com Deus. (Parte 4).


Em um de seus vários livros, Philipp Yancey conta de uma experiência vivida por ele e alguns amigos em uma visita a uma das repúblicas da, na época, recém extinta União Soviética. Estavam em um antigo castelo do tempo dos kzares, mas cujos porões foram usados como prisão de inimigos políticos do regime comunista. Durante a visita a esse lugar horrível e lúgrube, depararam-se, em um cantinho discreto, com uma pequena cavidade na parede de pedra da masmorra. Ali, disse-lhes o guia, os prisioneiros cristãos haviam feito um nicho, em torno do qual se reuniam para orar e adorar a Deus sem chamar a atenção dos guardas soviéticos. O guia acrescentou que, apesar das condições, ali, naquele cantinho do cárcere, a graça divina consolou, alimentou e fortaleceu o coração de adoradores sinceros e fieis. Como a visita ao castelo se encerraria em instantes, alguém do grupo deu a idéia de orarem, agradecendo a Deus pela fidelidade daqueles mártires cristãos e pela realidade consoladora do Espírito Santo. Outro visitante, então, dirigiu-se ao guia e lhe perguntou se ele não gostaria de orar ali, em nome do grupo. O guia assustou-se, confirmou se era ele mesmo que estava sendo convidado a orar e, diante da assertiva do grupo, disparou corredor afora, deixando perplexos os irmãos que já estavam inclinando a cabeça para a oração de encerramento da visita. Ninguém entendeu o que estava acontecendo, até que, poucos minutos depois, o guia voltou, com paramentos e ícones próprios do culto ortodoxo. Então, rapidamente, ele pôs e ascendeu velas nos pequeninos nichos da parede de pedra, estendeu uma toalha rendada na cavidade feita pelos prisioneiros, paramentou-se e disse: “Agora, sim, estamos prontos para orar”.


Eu sei que isso nos soa como idolatria ou zelo religioso extremado, mas, sinceramente, essa narrativa mexeu comigo. É certo que não precisamos de paramentos ou ícones ou mesmo velas (aliás, onde elas são condenadas nas Escrituras?) para entrar em contato com o Senhor, mas a preocupação daquele guia aponta para o cuidado e o temor devidos ao querermos entrar na presença do santo. Afinal, qual era a intenção do Pregador, quando exortou: guarda o teu pé quando entrares na Casa do Senhor? Certa vez, alguém me pediu para redigir um aviso a ser afixado na porta do átrio de uma igreja, pedindo para que não comessem pipoca ou chocolate durante o culto. Preciso falar mais?


Outra área em que vejo nossa relação com Deus banalizada é a dos dízimos e ofertas. Sinceramente, o Espírito Santo tem me incomodado terrivelmente nesse aspecto. Penso que tornamos (ao menos eu tornei) o ato da devolução do dízimo e da doação de ofertas algo automático demais. Fácil demais. Rápido demais. Feito sem a devida consciência e o requerido cuidado. Penso que o ato de SEPARAR o que é de Deus não é mais feito com a atenção e o carinho necessários. Lembro-me de, no passado, orar antes e depois de preencher o cheque do dízimo e colocá-lo no envelope. Isso muito antes de levá-lo ao gazofilácio da igreja no momento de glorificação ao Senhor no culto. Hoje, é muito mais comum enfiarmos a mão no bolso e pegarmos uma nota de dinheiro para enfiá-la na salva das ofertas, ou simplesmente digitarmos a senha do cartão na maquininha da igreja. Longe de mim criticar a modernidade, mas que, com ela corremos o risco de perder muito da espiritualidade do ato de ofertar, isso corremos. Quando Paulo instrui sobre as ofertas, ele manda que sejam separadas em casa, com cuidado e antecedência, o que mostra que não pode ser algo banal, feito em cima da hora, “no piloto automático”. Deus é zeloso e requer zelo, temor e tremor em nossa relação com Ele.



sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Nossas D.R.S com Deus. (Parte 3).


 

Não sem motivo, o Pentateuco (escrito pelo mesmo Moisés) traz uma série infindável de instruções, preceitos, mandamentos e narrativas que têm por objetivo infundir zelo e temor no povo de Deus. Sempre indaguei acerca da razão de tantas minúcias na descrição de como deveriam ser feitos os grandes e pequenos objetos do tabernáculo. E não somente os utensílios em si, mas também o próprio tabernáculo, seu entorno, sua montagem, sua manutenção e seu transporte. E ainda as vestes do sumo-sacerdote, dos sacerdotes e levitas e a maneira detalhada e minuciosa como estes deveriam vesti-las e despi-las para dar conta dos rituais sagrados. Não poucas vezes, adormeci, ao ler os textos de Êxodo e Levítico que tratam do assunto.

Por que tanta ênfase nos detalhes? Afinal, não é a essência muitíssimo mais importante do que a aparência? Não é o conteúdo muito mais significativo do que a forma? Não foi exatamente isso que o Senhor Jesus ensinou? Então, qual a causa dessa implicância toda do AT no cumprimento exato das minuciosas instruções divinas acerca do culto israelita? A razão está na grande importância, nem sempre reconhecida por nós, de tratar o Senhor com o zelo e temor devidos ao Criador do Universo. Rudolf Otto, ao falar de nossa relação com o Eterno, usa o adjetivo “numinoso”, que descreve um sentimento, uma sensação extremamente marcante e forte de temor, sem ser de pavor. Algo muito próximo das experiências vividas por Isaías e Daniel, por exemplo.

Encarar a relação com o Senhor, usando esse viés é um grande desafio para nós. Temos a tendência de vê-lo como Pai, mas sem a reverência que os antigos filhos tinham pelos progenitores. Arrisco a dizer que chegamos a

banalizar nosso relacionamento com Deus de modo absolutamente ridículo. Já ouvi (algumas vezes) de irmãos testemunhando como “ouviram” a voz do Altíssimo guiando-os rapidamente no estacionamento do shopping até uma vaga. Ou informando que poderiam dormir até mais tarde, porque o ônibus que pegam todos os dias iria se atrasar uns vinte minutos. Acho que a exortação bíblica orai sem cessar não contempla equiparar nossa conversa com o Todo-Poderoso à comunicação com um simples manobrista.



terça-feira, 22 de setembro de 2020

Nossas D.R.S. com Deus. (Parte 2). 

                                   


Portanto, Deus fala hoje, sim, e nós podemos (e devemos) ouvi-lo. Mas, retomando nosso ponto focal, como deve ser nossa relação com Ele?

Em primeiro lugar, entendo que ela TEM DE SER NATURAL.


Logo nas primeiras páginas da Bíblia, vemos narrativas em que o Criador se relacionava com o homem de modo absolutamente natural, sem nada de incomum. Diz o texto sagrado que Ele se encontrava com o ser humano toda tarde, passeando pelo jardim do Éden, isto é, sem alarde, sem raios e trovões ou coisa semelhante. Nessas ocasiões, Deus conversava naturalmente com o homem, dando-lhe tarefas e instruções sem nada de sobrenatural, a não ser a maravilhosa exceção da criação da mulher (e põe maravilhosa nisso!).


Essa relação era tão singela e natural, para não dizer humana, que Adão e Eva tentaram esconder-se do Senhor por entre as árvores do jardim. Eles acharam mesmo que isso seria possível, apesar de toda capacidade de inteligência que possuíam, demonstrada na classificação de todos os animais requerida por Deus. A queda, obviamente, afetou o ser humano de modo integral, mas no sentido de fazê-lo querer fugir do Senhor, como fez Jonas, não para achar que poderia esconder-se, passar despercebido pelo Altíssimo. Para mim, está claro que a infantilidade de Adão ao brincar de esconde-esconde com o Pai Celeste revela o quão natural era a relação deles.


Outra evidência bíblica dessa naturalidade está na expressão “andar com Deus”. Diversos personagens humanos das Escrituras tiveram a vida marcada por essa característica: Eles andaram com Deus. Enoque é, talvez, o mais eloquente, mas há também Abraão, Elias e, num certo sentido, os discípulos de Jesus. O que significa andar com alguém? Caminhar, conviver, estar ao lado, passo a passo, viver o cotidiano, partilhar a vida. Ora, o que há de sobrenatural nisso? Nada, muito ao contrário. A mensagem que essa expressão passa é a de companheirismo, intimidade, a ponto de Enoque ter sido levado vivo ao céu, assim como Elias, tamanha era a proximidade deles com o Senhor.


Em suma, a primeira característica da nossa D.R. com Deus é que ela precisa ser natural. Afinal, não foi exatamente para isso que o Senhor Jesus rasgou o véu do templo? Então, me pergunto: Por que cargas d’água tenho D.R.S. com o Pai Celeste – quando as tenho – de modo absolutamente excepcional? Isso está errado. E precisa mudar.


Por outro lado, e ao mesmo tempo, essa relação NÃO PODE SER BANAL.


Deus não é um de nós. Apesar da fala da serpente, não nos tornamos iguais a Ele. Aliás, ter dado ouvidos a Satanás nos fez ficar ainda mais distantes da imagem e semelhança originais com o Criador. Ele criou o Universo, infinito em tamanho, tanto para o gigantesco, quanto para o microscópico. A quem fazê-lo semelhante, como indaga Isaías 40? É preciso lembrar-se de quem Ele é, e de quem somos.


Uma das passagens mais eloquentes sobre isso é a que narra a primeira vez em que Moisés ouviu a voz do Altíssimo. Ele, que seria descrito como o homem com quem Deus falava face a face, em seu primeiro encontro com o Eterno, ouviu: Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus (Êx 3.5-6).



quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Nossas D.R.S. com Deus. (Parte 1).



Rvd. Eber Cocareli

Tenho lido que o confinamento forçado a que todos tiveram de sujeitar-se devido à pandemia tem provocado um sem-número de divórcios mundo afora. Isso é curioso, visto que, ao menos em tese, as pessoas se casam para viverem juntas. Então, quando são forçadas a passar um bom tempo no mesmo ambiente, essa circunstância deveria agradá-las, em vez de causar o rompimento da relação, não é mesmo? Os especialistas em aconselhamento de casais que frequentam o Programa Vejam Só! são irritantemente unânimes na afirmação (acusação?) de que os cônjuges não sabem se comunicar, especialmente os maridos. Por essa razão, os ditos conselheiros enfatizam reiteradamente a importância da D.R., a bendita “discussão da relação”, como ação preventiva e solução para praticamente todos os problemas do casamento.

Como não sou especialista no assunto (aliás, em nenhum), fico com a orientação dos conselheiros, apesar de ser marido. Só que hoje, a D.R. que mais tem-me preocupado é a com o Senhor. Afinal, a figura do casamento é fartamente usada nas Escrituras para ilustrar e ensinar acerca da nossa relação com Deus. Então, se os especialistas em matrimônio estão certos, cabe – e muito – verificar como andam as nossas D.R.S com o Altíssimo. E é o que mais tenho feito nesses tempos de isolamento. Agora, a primeira pergunta a se fazer é: Como deve ser a nossa relação com Deus? Como a Bíblia a descreve? Que circunstâncias a cercam? É, de fato, possível uma relação real com um ser que não vemos? Cuja voz não nos chega aos ouvidos?

Ah, que inveja eu tenho dos que escutaram o Senhor falando-lhes como qualquer pessoa, isto é, por meio de sons, palavras audíveis, e não impulsos no coração... Adão, Noé, Abraão, Moisés, os profetas e outros foram extremamente privilegiados por, literalmente, ouvirem a voz de Deus! Muitas vezes penso que se eu escutasse o Pai Celeste falando, seria muito mais fácil me relacionar e obedecer a Ele. Será? Esse raciocínio bem pode ser laço diabólico plantado em nosso enganoso coração, pois ninguém menos que o escritor aos Hebreus, aquele mesmo que informa ter Deus falado de muitas maneiras e que, HOJE, fala-nos por meio de Cristo, é quem nos adverte, replicando e aplicando a exortação do salmista: Assim, pois, como diz o Espírito Santo: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração como foi na provocação, no dia da tentação no deserto, onde os vossos pais me tentaram, pondo-me à prova, e viram as minhas obras por quarenta anos. Por isso, me indignei contra essa geração e disse: Estes sempre erram no coração; eles também não conheceram os meus caminhos. Assim, jurei na minha ira:

Não entrarão no meu descanso. Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo (Hb 3.7-13). Em outras palavras, bem mais amenas, alegar que não obedecemos ao Senhor por não escutar sua voz hoje, é, no mínimo, uma desculpa esfarrapada e burrice. As consequências são pra lá de danosas.