sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O Dia em que entrevistei o Rei Davi - Parte Final


Finalmente, aqui vai a terceira e última parte da entrevista com o rei Davi. Leia as duas anteriores (Parte I e parte II) e, depois, veja como o homem segundo o coração de Deus explica as loucuras que fez, inclusive (e principalmente) o envolvimento dele com Bate-Seba.

***

Que bênção! De fato, sua vida está recheada de aventuras e experiências estupendas. Conte mais algumas.

Por causa da vitória sobre Golias, fizeram uma música em minha homenagem e eu fiquei muito popular. No plano espiritual, Deus me deu o privilégio de ser escolhido o novo rei de Israel, quando nem meu pai se lembrava que eu existia. Sempre fui muito querido por todo meu povo e tive o privilégio de desenhar a Casa de Deus, o templo que meu filho Salomão construiu e dedicou ao Senhor e que foi considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. Em meu reinado não houve inimigo que prevalecesse contra Israel. Morri bem velhinho, tanto que nem conseguia mais me aquecer sozinho.

Gosto da expressão que a Bíblia usa para falar da sua morte: “numa boa velhice, cheio de dias, riquezas e glória”. E você?

Também. Essa expressão revela alguém que viveu intensamente a vida em sua plenitude. E isso significa que vivi também o lado escuro da vida.

Claro, todos têm experiências ruins, de vez em quando.

Sim, mas assim como as experiências positivas foram extraordinárias, as negativas também foram profundamente amargas. Mais do que a maioria dos homens poderia suportar.

Fale-nos delas.

Pra começar, praticamente não tive infância. Fui o caçula de oito irmãos, e ainda bem criança sobrou para mim a tarefa de cuidar das ovelhas de papai. Em vez de ficar brincando com as crianças de minha idade, eu passava o verão todo sozinho, nas planícies da Palestina, procurando pastos viçosos e águas frescas para o rebanho. Ficava tanto tempo fora de casa, que quando Samuel foi enviado por Deus para ungir o novo rei, meu pai nem se lembrou de mim.

Mas era porque ele achava que Abinadabe, seu irmão mais velho é que seria o escolhido...

Sim, eu sei. E não era só meu pai não. O próprio Samuel também achava, porque Abinadabe, além da idade mais apropriada que a minha para a função, tinha porte e elegância. O problema é que, quando Deus mostrou que nem Abinadabe, nem Samá, nem nenhum dos meus outros irmãos eram os escolhidos, Samuel teve de perguntar a meu pai se não havia mais nenhum filho, pois o Senhor lhe garantira que um dos filhos de Jessé era o eleito. Ora, isso lá é pergunta que se faça a um pai zeloso? Alguém, alguma vez na sua vida, precisou perguntar se você não estava esquecendo algum filho?

Tá, mas, Deus honrou você, escolhendo-o rei. O que isso tem de negativo?

Nada, é claro! Louvo a Deus por lembrar-se de mim, quando ninguém em minha casa o fez. O problema é que Saul acabou sabendo que eu fora ungido e passou a perseguir-me implacavelmente por muitos anos. Nem pude, a bem da verdade, usufruir da fama e do sucesso que a vitória sobre Golias me proporcionaram. Minha juventude inteira eu passei fugindo de Saul, para salvar a minha pele. E olha que eu era genro do rei e melhor amigo de seu filho! Foram anos e anos de muita tribulação, que passei em covas e cavernas, nunca dormindo duas noites seguidas no mesmo lugar. Tive chance duas vezes de matar Saul, mas não o fiz, por temer erguer minha mão contra o ungido do Senhor. Nem assim aquele louco perturbado me deixou em paz.

Você diz isso agora, mas não vibrou de alegria quando Saul morreu, muito pelo contrário.

Como eu poderia me alegrar com a morte de Jônatas? Nunca, em minha vida, eu tivera amigo tão sincero e leal. Quem leva uma vida tão solitária como a minha sabe reconhecer e valorizar uma amizade tão verdadeira. E quanto a Saul, se nem Deus tem prazer na morte do ímpio, por que eu teria?

Tudo isso é ruim, sem dúvida, mas não tão trágico para justificar o que você disse serem experiências terrivelmente dolorosas. 

Calma, o pior vem agora. Todas as vezes que penso no que fiz com Bate-Seba não consigo atinar em como pude ser tão estúpido! Meu adultério foi, sem sombra de dúvida, a pior, a mais devastadora experiência que tive, meu erro mais imbecil. Se houvesse um meio de eu voltar no tempo, daria meu reino, só para apagar da história essa página infame.

Também não precisa exagerar! Que você errou, tudo bem, mas, convenhamos, você era o rei, podia tudo. Tinha várias esposas e concubinas, estava acostumado a ter várias mulheres. Aí, viu Bate-Seba se banhando... era uma tremenda mulher... quem resistiria? Depois outra, seria só uma aventurazinha... Seja franco, Davi, apesar de ser pecado, Bate-Seba valia a pena, não valia?

Você não sabe o que está dizendo, fala como doido! Nunca, de jeito nenhum! Por causa dessa “aventurazinha”, como você diz, perdi quatro filhos! Nada, absolutamente nada na vida compensa a perda de um filho amado, o que dizer de quatro?

Como assim quatro? Não foi só o bebê de Bate-Seba que morreu?

Não. Perdi também Amnon, Tamar e Absalão. Todos por causa do meu pecado.

Foi castigo de Deus?

Não! Foi fruto da minha loucura, da minha estupidez ao me envolver com a esposa de Urias e achar que ninguém nunca descobriria o que tinha feito. A pior coisa que um pecador faz, depois de pecar, é tentar esconder sua transgressão.

Sei que você teve problemas com Absalão, e Amnon com Tamar, mas por que você diz que o que lhes aconteceu tem ligação com seu pecado?

Por que essa é a lei do mundo espiritual: um abismo atrai outro abismo. É por isso que, quando erramos e tentamos encobrir o erro as coisas vão piorando cada vez mais. A gente dá tempo ao mal para se multiplicar em nosso coração.

Explique isso melhor, Davi.

Veja o que me aconteceu; primeiro errei em não ir à guerra, como era meu dever de rei. Fiquei à toa no palácio e acabei espiando Bate-Seba banhar-se. Me apaixonei por ela e a chamei para um “bate-papo”, aproveitando que seu marido estava no campo de batalha, pois Urias era soldado. Como se não bastasse, quando ela engravidou, em vez de cair em mim e me arrepender do que fizera, preferi tapear todo mundo, chamando Urias de volta da guerra. Achava que ele se deitaria com sua esposa e todos pensariam que o filho que ela gerava era dele. Só que Urias se recusou a ir para casa, enquanto seus colegas davam a vida pelo rei na guerra. Ele ficou no palácio, com os soldados de minha guarda particular.

Aí, o que você fez?



Um abismo chama outro abismo, lembra? Escrevi uma ordem ao comandante e mandei-a pelas mãos de Urias, meu fiel soldado. Nela, determinava que, no próximo ataque, Urias fosse posto à frente do exército e que este recuasse, deixando Urias sozinho, para morrer pela espada do inimigo. E foi o que aconteceu. Aí, com Bate-Seba viúva, casei-me com ela e achei que tudo estava resolvido e ninguém perceberia nada.

É, mas Deus usou o profeta Natã para acabar com sua festa, e o bebê morreu. Mas ainda não entendi como tudo isso tem relação com seus outros filhos.

É simples, quando Amnon, meu filho com uma das minhas esposas, viu como seu pai – o homem segundo o coração de Deus – fora capaz de urdir um plano tão sórdido, perdeu o respeito por mim e o que é pior, perdeu também o temor a Deus. Ele se encantou com Tamar, sua meia irmã (minha filha com outra esposa), enganou-a e violentou-a. Depois, simplesmente a desprezou. O irmão dela, Absalão, ficou furioso e exigiu de mim um castigo severo. Mas o que eu podia fazer? O que ia dizer? Com que autoridade?

Foi por isso que Absalão se revoltou contra você?

Exatamente, ele começou a alimentar um ódio cada vez mais crescente por mim. Após algum tempo, quando eu achava que a tempestade tinha acabado, Absalão deu uma festa e, no meio dela, matou Amnon para vingar a honra da irmã. Desta vez fui repreendê-lo, o que só fez aumentar sua revolta e seu ódio contra mim. Ele passou a me desafiar e humilhar em público; chegou a armar uma tenda na rua, onde se deitava com minhas concubinas à vista de todos.

E não ficou por aí...

Não. Ele, por fim, decidiu tomar o trono e invadiu o palácio real com um exército de jovens mercenários. Tive de fugir às pressas pela porta dos fundos para salvar a pele. De novo me vi como fugitivo, desta vez, do meu próprio filho que me perseguia a fim de me tirar a vida. Jamais vou esquecer o gosto azedo que senti quando Absalão foi morto por meu general. Agora, me diga, você ainda acha que o prazer fugaz que eu possa ter tido com Bate-Seba compensa tudo isso?

De modo nenhum, desculpe minha burrice. É que o pecado, às vezes parece tão sedutor, tão atraente...

O pecado nunca, jamais compensa. Ele nos separa de Deus e nos destrói. O pecado escondido nos joga num poço sem fundo, num charco de lodo, essa é a verdade.

Davi, como então você pôde se reerguer? Já vimos que a Bíblia diz que você teve uma velhice boa e feliz. Como você conseguiu superar toda essa tragédia?


Por causa da graça de Deus. Um dos versículos mais belos das Escrituras Sagradas diz que “onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Quando nos arrependemos, Deus nos perdoa e restaura. Ele não nos deixa caídos, nem no poço de lama; Ele nos estende a mão, tira-nos de lá, nos reergue e nos põe sobre uma rocha, onde firma nossos passos. É por isso que quero ter sempre um cântico de louvor nos lábios. A graça de Deus é insuperável e está à disposição de qualquer pecador; basta arrepender-se e buscá-lO.


De fato sua vida é incrível! Daria até um filme, um não dois: um épico e um drama! Diga-nos, Davi, para terminar a entrevista, de todas essas experiências que você viveu, qual delas o marcou mais?

Nenhuma delas. A experiência que calou mais fundo em minha alma aconteceu quando eu ainda era menino e pastoreava as ovelhas de meu pai. Num belo fim de tarde, enquanto elas se acomodavam na grama para dormir, eu, como sempre fazia, louvava ao Senhor com minha harpa, distraindo minha solidão e a saudade de casa, tendo ao longe o horizonte tingido com os tons do pôr do sol. Naquele momento, o Espírito de Deus veio a mim e me revelou coisas tão profundas sobre o Senhor, que eu passei a vê-lO com outros olhos, os olhos de uma ovelha. Percebi ali que aquele que tem a Deus como seu pastor não tem falta de nada. Sua companhia compensa toda solidão, e não importa por onde você ande, se por pastos verdejantes com águas tranquilas, ou pelo vale da sombra da morte, Sua presença dá paz e segurança. Minha vida inteira foi uma prova viva dessas verdades, nos triunfos e nas tribulações jamais faltou-me o cuidado pastoral, seja me buscando no mais profundo abismo, seja fazendo-me cear vencedor, diante dos meus inimigos. Nunca mais quero me afastar do colo desse Supremo Pastor, onde meu cálice transborda de alegria por toda a eternidade.

Não é à toa que meu salmo preferido é o 23. Valeu Davi; obrigado pela entrevista. A gente se vê na eternidade!


3 comentários:

  1. Maravilhoso melhor que filme ou novela!

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  2. Rev. Eber, com todo o respeito, o senhor está mais pra adventista do que pra presbiteriano. Não vou me admirar se qualquer hora o senhor aparecer guardando o sábado, dizendo que Miguel é Jesus e que Moisés ressuscitou.

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